Telefone / Whatsapp: (41) 9 9643-7333

Clínica de tratamento em Curitiba para crises emocionais, estresse, ansiedade, pânico, depressão e problemas afetivos e sexuais

Atentados contra inocentes, violência urbana e a parábola do semeador

Atentados contra inocentes, violência urbana e a parábola do semeador

Em minha prática diária de quase 20 anos como psiquiatra especializado no tratamento de pessoas em crises emocionais, estresse, ansiedade e pânico, muitas vezes tenho me lembrado da parábola do semeador. A razão explico ao longo deste artigo.

Resolvi escrever este artigo após tomar conhecimento pela imprensa sobre o atentado efetuado por um atirador solitário em Las Vegas (EUA, setembro/2017) contra pessoas que participavam de um show de música country, que resultou em 59 mortos e quinhentos feridos. Poucos dias depois um homem ateou fogo em uma creche no Brasil matando 7 crianças.

Como de costume (infelizmente isso já está se tornando rotina) começaram a surgir as explicações possíveis: serão esses indivíduos loucos? Sádicos? Doentes mentais? Estiveram internados em hospitais psiquiátricos? Diante das hipóteses sempre aventadas, imediatamente surgem em minha mente as lembranças de inúmeras histórias de pacientes e situações profissionais que já vivenciei, que certamente podem explicar com mais chance de acerto tais eventos.

Então vamos ao ponto: explicações baseadas somente em dados individuais e biográficos dificilmente serão suficientes para dar conta de tanta loucura. Estamos diante de um fenômeno de esgaçamento do tecido social talvez nunca visto antes. Tenho testemunhado muito disso no atendimento em saúde mental nos últimos vinte anos. E é justamente esse fato que me faz pensar na parábola do semeador. Portanto, reproduzo aqui trecho do evangelho de São Marcos sobre Jesus Cristo e a parábola do semeador, para em seguida explicar a relação que para mim é evidente entre a falta de atenção às palavras de Jesus (hoje tão esquecidas da população que adota valores casa vez mais individualistas para nortear suas vidas)  e o crescimento da loucura social.

A parábola do semeador

Eis que Jesus voltou a ensinar à beira do lago e uma grande multidão juntou-se à sua volta. Ele sentou-se então num barco que estava no lago, enquanto as pessoas o escutavam da praia.  Jesus lhes ensinava muitas coisas e mediante parábolas ele dizia:

—Certo homem saiu para semear. Enquanto semeava, uma parte das sementes caiu pelo caminho e foi comida pelos pássaros.  Outra parte caiu num terreno onde havia muitas pedras. Essas sementes brotaram rapidamente, pois a terra não era profunda.  O sol, porém, queimou todas as plantas e elas secaram, pois não tinham raiz. Outra parte das sementes caiu no meio de espinhos. Os espinhos cresceram ao redor das plantas e as sufocaram e por isso elas não deram frutos.  Outra parte ainda caiu em terra boa. Elas brotaram, cresceram, deram frutos e produziram trinta, sessenta e até mesmo cem vezes mais.

 E depois disso, disse-lhes Jesus:

—Aquele que pode ouvir, ouça.

É nessas profundas palavras de Jesus que penso frequentemente em minha prática diária como profissional de saúde mental. No atendimento aos pacientes vejo a todo momento pessoas em  sofrimento emocional causado por situações como as abaixo listadas:

  1. Carências afetivas significativas
  2. Sentimento de desamparo e medo paralisante quanto ao futuro
  3. Sentimento de isolamento e solidão
  4. Baixa autoestima
  5. Falta de respeito e indiferença com o sofrimento alheio demonstrada diariamente por muitos chefes e patrões no ambiente de trabalho
  6. Pressão excessiva por desempenho e produtividade no trabalho, até à exaustão
  7. Sentimento de não ter com quem contar na vida
  8. Desamor
  9. Rejeição maciça
  10. Sentimento de abandono
  11. Sentir esta vivendo em um mundo onde  vale tudo quanto se trata de dinheiro
  12. Traição da confiança
  13. Deslealdade
  14. Violência

Pudesse eu relacionar tudo que vejo no dia a dia e a lista acima seria muito longa. Creio porém que é suficiente dizer que muito do  sofrimento dos meus pacientes vem de duas situações básicas: sentimento de desamparo diante de pessoas indiferentes para com as outras pessoas e sentimento de não fazer parte de uma comunidade receptiva, acolhedora e apoiadora. Ou seja, sentem a falta dos aspectos mais  básicos daquilo que diz respeito ao  bom relacionamento entre seres humanos. O resultado é tristeza, pessimismo, angústia, depressão, ansiedade, raiva, ira.

Então, diante de notícias de tantos assassinatos executados em creches, escolas, universidades e shows, sempre me vem à mente a impressão de que esses atiradores solitários estão em busca de vingança não de pessoas em particular, mas sim da sociedade em que vivem. Também me vem à mente pensamentos como:

Em que tipo de “terreno” esses hoje assassinos foram “semeados” quando nasceram?

Em que terreno cresceram quando ainda eram crianças inocentes ou adolescentes inseguros?

Que oportunidades tiveram quando adultos jovens ou de meia idade?

Pense comigo então a respeito dessas pessoas:

Será que ao longo da vida foram acolhidas ou rejeitadas?

Teriam sido amadas ou vítimas de indiferença afetiva?

Receberam calor e compaixão ou frieza e desprezo?

Foram valorizadas ou humilhadas?

Receberam oportunidades ou foram alienadas?

Foram ensinadas a colaborar ou apenas a competir?

Aprenderam a amar ou a odiar?

Agora pense comigo de modo ainda mais amplo:

Que tipo de terreno você tem visto ser preparado e oferecido para as pessoas se desenvolverem em seu ambiente de trabalho? Em seu lar? Na escola de seus filhos? Em sua vizinhança? Na sua família ampliada? Na sua comunidade? Trata-se de um terreno fértil? Árido? Estéril? Reúne condições para que algo de bom seja cultivado lá?

Trabalhei por 4 anos na casa de custódia de Curitiba  e vi jovens no início de seus vinte anos com o futuro sombrio, já comprometido. Jovens cujas histórias, em grande parte, narram a falta de moradia, da noção de lar, a ausência de pai ou mãe, a falta de alimentos, a falta de amor e o convívio precoce com a violência.  Seriam todos os 500 (eram 500 detentos na época) pessoas com vocação para o crime? Certamente que a resposta é não para a maioria, que quase certamente foram semeados em terreno desfavorável. Daí vir à minha mente a parábola do semeador e a lembrança das palavras de Jesus Cristo a respeito do ambiente em todos fomos semeados e crescemos.

Tristemente se engana quem acredita que é possível haver equilíbrio e paz em uma sociedade humana onde há riqueza para alguns às custas da pobreza de outros, onde há proteção para alguns e violência para os demais, onde há amor e compaixão para alguns e indiferença e desprezo para outros. Foram palavras de Jesus Cristo: a semente cresce de acordo com a condição do solo onde é semeada. Os frutos serão o resultado desse meio de cultivo.

Resumindo tudo em poucas palavras: a sociedade recebe continuamente o resultado daquilo que ofereceu e continua oferecendo para o desenvolvimento das pessoas que nela vivem!

Caso você tenha achado esse artigo útil para reflexão, compartilhe com as pessoas que você conhece. Precisamos todos preparar um terreno melhor para todas as pessoas deste país e do mundo, e semear crianças em solo bom, para que produzam trinta, sessenta ou até 100 vezes mais. A triste alternativa será construir muitos novos presídios, para serem ocupados por muitos  futuros adultos que hoje são inocentes crianças! Já dizia gentileza, o famoso palhaço carioca: gentileza gera gentileza!

Texto de autoria do Dr. Lincoln Cesar Andrade

permitida a reprodução e divulgação desde que citada a fonte (autor e site)

Dr. Lincoln Cesar Andrade é médico psiquiatra especializado no tratamento de pessoas sofrendo crises emocionais, estresse elevado, transtornos de ansiedade, medo e pânico em Curitiba. Agendamento de consultas pelos fones (41) 30391890 e (41) 996437333