Começo este texto lembrando o óbvio: que um relacionamento amoroso começa pelo flerte, seguido da conquista, do namoro e de um potencial desfecho de longo prazo. O início é marcado por novidades, descobertas, excitação e prazer. Não há obrigações e compromissos estressantes.
Mas, uma vez que o relacionamento tenha continuidade, ou venha a se transformar em casamento, surge a família, os filhos, as obrigações financeiras, o cansaço e o desgaste. Trata-se agora de um novo relacionamento, um herdeiro do relacionamento dos tempos de namoro. E é a partir deste ponto que as coisas costumam se complicar.
No atendimento de consultório observo de modo recorrente que o estresse, a rotina e as obrigações do dia a dia levam os casais a não priorizarem seu espaço erótico. Diante das obrigações profissionais e financeiras, priorizar a intimidade afetiva e sexual parece concessão, as vezes gera sentimento de culpa, como se quase tudo fosse mais importante. Isso não chega a ser surpreendente, pois na hierarquia das necessidades humanas a sobrevivência vem em primeiríssimo lugar. Infelizmente porém, a incapacidade de priorizar a alegria e o relaxamento acaba por levar ao distanciamento e à perda do sentido do casamento como união afetiva e sexual de duas pessoas.
Afetado pela rotina, pelo estresse, irritabilidade constante e distanciamento afetivo e sexual, o casal começa e funcionar como um barco à deriva do ponto de vista amoroso, e com a tormenta surgem os riscos à parceria, como por exemplo a presença crescente de uma terceira pessoa a ameaçar o vínculo amoroso.
Atendo muitas pessoas desconcertadas, surpresas mesmo, devido ao término inesperado do relacionamento por decisão do(a) parceiro(a). Contudo porém, explorando o funcionamento conjugal recente do casal, muitas vezes fica claro que um ao ambos os parceiros estão a tanto tempo concentrados em trabalhar, ganhar dinheiro e cuidar dos filhos que já não funcionam como bons amantes há tempo considerável. O prazer, a diversão e o sexo se tornaram algo a ser buscado quando sobrar tempo ou energia, justamente o que está sempre faltando.
Portanto, priorizar o espaço erótico do casal é uma necessidade imperiosa também, tanto quanto o trabalho, as finanças e os filhos. Mas aprender como fazer isso parece estar se tornando uma arte, possível de aprender e altamente gratificante, mas que certamente não é fácil.
Texto escrito pelo Dr. Lincoln Cesar Andrade
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*Dr. Lincoln é médico psiquiatra especializado no atendimento de pacientes em crise emocional, estresse elevado, ansiedade e pânico. É também especialista em sexualidade humana pela USP. Trabalha com tratamento e aconselhamento de pacientes em crise emocional devido a relacionamento amoroso e sexualidade há mais de 15 anos.