Neste artigo abordo o comportamento de automutilação, uma transtorno psiquiátrico adolescente cuja procura de tratamento vem crescendo em nossa clínica e que é uma preocupação crescente dos serviços de saúde mental em todo mundo.
Em um recente estudo realizado em países da Europa, a automutilação em adolescentes foi definida como:
“Comportamentos não fatais, em que o indivíduo intencionalmente causa lesões a si mesmo provocando cortes, arranhões ou queimaduras na própria pele, salta de locais relativamente altos, ingere fármacos em doses superiores as posologias terapêuticas, faz uso de drogas ilícitas ou substâncias psicoativas com propósito de autoagressão e ingestão de substâncias ou objetos que não são próprios ao consumo humano”.
A maneira utilizada e o local das lesões provocadas pelos comportamentos de automutilação obedecem a diferenças de gênero. Quase 70% dos adolescentes provocam cortes nos braços. Lesões em outras partes do corpo e com utilização de outros métodos costumam estar relacionadas com psicopatologias mais severas. Nos EUA adolescentes do sexo feminino costumam produzir cortes e arranhões em braços e pernas, enquanto meninos costumam utilizar métodos mais perigosos, como bater a cabeça, se queimar e provocar lesões no rosto, no peito e nos genitais. Meninas costumam fazer uso de métodos que provocam sangramento e os meninos não. Os episódios podem ser isolados, intermitentes ou crônicos.
O objetivo da automutilação varia, não tem finalidade única. O objetivo mais comum da automutilação é chamada de Reforço Automático positivo (a tentativa de sentir alguma coisa, provocar sentimentos) ou Reforço Automático Negativo (a busca do controle de emoções negativas, como ansiedade intensa, raiva, angústia, medo). A autopunição também pode ser um objetivo.
Abuso emocional, depressão, ansiedade, abuso físico ou sexual e histórico de tentativa de suicídio são todos estados mentais que podem estar relacionados com comportamentos de automutilação, tanto como forma de reforço automático positivo e negativo, já explicado acima, como pode ter objetivo social de comunicar dificuldades e gerar apoio. A literatura de diversos países demonstra que em sua maioria os comportamentos de automutilação representam uma tentativa não adaptativa, disfuncional, de lidar com emoções negativas e muito perturbadoras.
A automutilação é considerada atualmente um diagnóstico psiquiátrico independente, que apresenta relação estreita com diferentes psicopatologias. As patologias psiquiátricas mais comumente associadas a episódios de automutilação em adolescentes são citadas abaixo:
Depressão maior
Fobia social
Transtorno de Estresse Pós-traumático
Transtorno de Ansiedade
Comportamentos suicidas
Transtornos Alimentares
Transtorno de Personalidade emocionalmente instável
Ainda mais preocupante é o fato de que adolescentes com histórico de automutilação associada com tentativas de suicídio apresentam também histórico de abuso, trauma, sensação de falta de apoio parental e visão pessimista a respeito da vida e do futuro. Esses mesmos adolescentes apresentam taxas elevadas de vitimização e episódios mais graves de automutilação.
A literatura internacional aponta também as causas mais comuns de automutilação do adolescente:
Sexo feminino
Abuso físico e sexual
Bullying
Consumo excessivo de álcool e drogas
Término de relacionamento amoroso
Baixa qualidade de relacionamento com a mãe
Pais com problemas com álcool, drogas ou com um grave transtorno psiquiátrico
Falta de apoio parental
Conhecer outras pessoas que se automutilam (grande problema relacionado às redes sociais atualmente), ter melhor amigo que se automutila e se juntar a grupo de adolescentes que se automutilam
Impulsividade
Baixa autoestima
Baixo nível sócioeconômico
Baixa escolaridade
Autocrítica, autoreprovação e sentimento de desvalorização
Não se identificar com prática religiosa ou espiritual
Dificuldade em expressão emoções
Possuir identidade alternativa
Um dado de pesquisa assustador aponta que 10% dos jovens que se ferem repetem o ato em até um ano, e 1% dos jovens que se ferem acabam se suicidando! Trata-se de uma importante advertência para que não se subestime tais comportamentos auto agressivos.
O TRATAMENTO DA AUTOMUTILAÇÃO ADOLESCENTE
Um estudo realizado na Austrália indicou as seguintes estratégias para o tratamento dos episódios de automutilação:
Falar sobre automutilação com colegas e amigos (mesmo sendo uma comunicação virtual)
Encaminhamento para adultos e profissionais de saúde.
Maior conscientização pública sobre automutilação
Redução do estigma ligado ao ato de automutilação como “loucura”
Combate ao bullying entre colegas ou na escola
Maior atenção às crianças em situação de vulnerabilidade social
Concluindo, o comportamento de automutilação do adolescente é um quadro complexo de baixo controle de impulsos causados por sofrimento emocional e mental, que envolve aspectos psicológicos, psiquiátricos, sociais e educacionais, e que não tem solução simples.
Na clínica Dr. Lincoln Andrade o tratamento do comportamento de automutilação em adolescentes é feito através de tratamento psiquiátrico individual e psicológico individual , além de apoio e orientação às famílias.
Texto de autoria do Dr. Lincoln Cesar Andrade. Permitida a reprodução e divulgação desde que citada a fonte (autor e site).
*Este artigo se baseia em uma recente revisão da literatura internacional sobre automutilação adolescente (Moreira ES et al, 2019), além de outras fontes de informação e experiência profissional do autor. O termo internacional mais adotado para automutilação é Non- suicidal self- injury (NSSI).
Dr. Lincoln C. Andrade é médico psiquiatra, com residência médica pelo Hospital das Clínicas da USP (HC/RP-USP), especializado no atendimento de pessoas em crise emocional, estresse, transtornos de ansiedade e pânico. Tem vinte anos de experiência no atendimento de pessoas em crise emocional de qualquer origem. Criou e mantém em sua clínica o programa CALMA, especializado no tratamento de ansiedade e pânico. Agendamento de consultas pelos fones (41) 996437333 e 999250562.
“Clínica Dr. Lincoln Andrade, a clínica de referência no tratamento do estresse elevado, ansiedade, pânico e crises nervosas em Curitiba”.