IMAGEM RAFAELLA FELICIANO/METROPOLES
Resolvi escrever este artigo após tomar conhecimento pela imprensa sobre a respeito do homem que ejaculou sobre uma passageira do ônibus em que estava em SP, foi preso em flagrante e liberado em seguida. Tal notícia causou indignação entre mulheres e homens de todo Brasil, principalmente devido ao relaxamento da prisão em menos de um dia. E o impacto sobre a opinião pública foi ainda maior quando, dois dias depois do ocorrido, o mesmo homem foi detido novamente em outro coletivo devido a estar esfregando o pênis em uma passageira e tentar contê-la quando essa tentava escapar. Desta feita foi pedida prisão preventiva e avaliação psiquiátrica do indivíduo pelo delegado responsável pelo caso.
Novas notícias veiculadas pela imprensa davam conta de que o homem informou na delegacia que o comportamento sexual teve início em 2006, após sofrer traumatismo cranioencefálico (TCE) e ficar duas semanas em coma.
No caso das notícias veiculadas pela imprensa estarem corretas, o comportamento sexual deste rapaz remete a um transtorno sexual chamado frotteurismo, termo que deriva do francês Frotteur (esfregar), cuja característica é a excitação sexual causado por fantasias, pensamentos ou comportamentos relacionados a tocar e esfregar o órgão sexual, as mãos ou outras partes do corpo contra o corpo de outras pessoas, mais propriamente as nádegas ou os seios.
O frotteurismo é um transtorno sexual que faz parte de um grupo maior denominado Trastornos parafílicos, cuja característica central é a excitação sexual não convencional, produzida a partir de objetos ou partes do corpo não relacionadas aos órgãos sexuais. Entre as parafilias encontram-se o exibicionismo, o sadomasoquismo e a pedofilia. Os transtornos parafílicos são mais comuns em homens do que em mulheres na proporção de 20:1.
É importante deixar claro que, pela psiquiatria e pela sexologia, comportamentos sexuais não convencionais são considerados transtornos sexuais somente quando causam sofrimento e prejuízo para a pessoa afetada ou para terceiros.
No caso em questão, as seguintes considerações são dignas de nota:
- O importante nível de gravidade do suposto caso de frotteurismo deste jovem pois, no caso das notícias veiculadas pela imprensa estarem corretas, já seriam 17 registros policiais, a maioria pelo mesmo motivo, o que demonstra uma grande falta de controle dos impulsos sexuais tal o grau de exposição pública a que ele se submete.
- O fato do rapaz situar o início do quadro clínico em 2006, quando teria a idade aproximada de 16 anos, idade próxima do início do transtorno sexual para a maioria das pessoas que sofrem de transtornos parafílicos.
- O fato do jovem ter informado que sofreu TCE e atribuir o comportamento sexual ao acidente, o que pode de fato fazer sentido, uma vez que lesões no lobo frontal do cérebro, dependendo da localização, podem causar uma alteração neurológica denominada “liberação frontal”, na qual as estruturas cerebrais responsáveis pelo controle de impulsos do ser humano ficam severamente prejudicadas. Neste caso a pessoa realmente deixa de ter controle voluntário de seus impulsos, entres eles os sexuais. Eu mesmo já tive a oportunidade de atender um paciente que passou a assediar mulheres após sofrer lesão cerebral devido a um AVC.
- A comoção e indignação pública, principalmente das mulheres, é totalmente justa, porém a justiça não pode agir pressionada pela opinião pública. Antes de condenar é preciso avaliar o quadro psiquiátrico e neurológico. Caso contrário o rapaz, que pode ser que sofra de grave transtorno psiquiátrico e neurológico, pode vir a ser tratado como criminoso comum. No caso de seu estado mental ser avaliado como representando um perigo à coletividade, este poderá até mesmo ser conduzido para uma instituição médico-penal, onde deve receber tratamento adequado. Mas aqui já estamos entrando na questão legal, do direito e da sexologia forense.
- Casos como o acima descrito chamam atenção da sociedade devido aos aspectos bizarros que a sexualidade humana pode assumir, e por se tratar de mais uma forma de expressão da violência urbana.
- Devido a se tratar de análise baseada em notícias veiculadas pela imprensa, sem confirmação, o raciocínio acima não ter qualquer valor clínico, servindo apenas como um modo de informar a opinião pública a respeito de um transtorno sexual pouco compreendido.
O tratamento de pessoas que sofrem de transtornos parafílicos é difícil, pois essas pessoas não costumam procurar tratamento devido a vergonha, sentimento de culpa e também porque, nos casos graves, o comportamento parafílico costuma ser a única maneira que elas têm para obter excitação e prazer sexual.
Texto de autoria do Dr. Lincoln C. Andrade*
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*Dr. Lincoln C. Andrade é especialista em sexualidade humana pelo projeto Sexualidade (PROSEX) da faculdade de medicina da USP. Em sua clínica funciona o programa ON LOVE, para a qualidade de vida afetiva e sexual. Agendamento de consultas pelos fones (41) 30391890 e 96437333.